INTRODUÇÃO
Imagine estar em Éfeso, no ano de 431 dC, em meio a uma assembleia de bispos, teólogos e fiéis fervorosos. O ar está carregado de tensão. De um lado, Nestório, patriarca de Constantinopla, defende com paixão sua visão teológica; do outro, Cirilo de Alexandria liderou a oposição com argumentos igualmente vigorosos. No centro do embate, uma palavra grega: Theotókos, que significa "Portadora de Deus" ou "Mãe de Deus". O que parece apenas um termo técnico se torna o estopim de uma das maiores controvérsias cristológicas da história, cujas ondas ainda ecoam nos corredores da teologia cristã moderna — inclusive entre os cristãos reformados de vertente pentecostal.
Neste artigo, vamos mergulhar nesse debate histórico, em um tom acessível, como se estivéssemos conversando ao redor de uma mesa, discutindo acerca de acontecimentos distantes em nossa perspectiva existencial, tratando com leveza assuntos aparentemente complexos, contudo de extrema relevância para compreensão de nossa fé genuína em Cristo Jesus e na compreensão de sua obra redentora, com foco especial nas implicações de uma maior compreensão dos conceitos de Theotókos e Christotókos sob a perspectiva reformada-pentecostal. Prepare-se para uma jornada que une história, doutrina e paixão pela verdade bíblica!
A questão do título mariano "Theotókos" (Mãe de Deus) foi um dos grandes temas cristológicos debatidos nos primeiros séculos da Igreja. O termo, que significa literalmente "Portadora de Deus", tornou-se um ponto central da controvérsia entre diferentes escolas teológicas, culminando nos debates que levaram ao Concílio de Éfeso (431 d.C.). Embora frequentemente associado a esse concílio, as discussões sobre a relação entre as naturezas divina e humana de Cristo já estavam em curso no Concílio de Niceia (325 d.C.) e foram aprofundadas posteriormente.
Neste estudo abordaremos as principais posições sobre Theotókos, os argumentos envolvidos na controvérsia cristológica e a perspectiva protestante pentecostal assembleiana sobre o título.
O Concílio de Niceia (325 d.C.) e a Cristologia
O Concílio de Niceia, convocado pelo imperador Constantino, visava resolver a disputa sobre a divindade de Cristo suscitada por Ário, que negava a consubstancialidade do Filho com o Pai. Embora o foco principal fosse a refutação do arianismo e a formulação do Credo Niceno, as implicações cristológicas desse concílio tiveram impacto direto no desenvolvimento posterior da questão mariana.
Os bispos nicenos, liderados por Atanásio de Alexandria, enfatizaram que Jesus era plenamente Deus e plenamente homem, de mesma substância (homoousios) com o Pai. Essa formulação lançou as bases para discussões subsequentes sobre a união das naturezas de Cristo. A defesa da divindade plena de Cristo abriu caminho para que, nos anos seguintes, debates surgissem quanto à forma como essa divindade se manifestava na encarnação.
Embora o Concílio de Niceia não tenha tratado diretamente da terminologia Theotókos, sua ênfase na unidade do Filho com o Pai serviu como base para que, posteriormente, a Igreja considerasse inadequada qualquer tentativa de separar a divindade e a humanidade de Cristo.
O Concílio de Éfeso (431 d.C.) e a Controvérsia Nestoriana
A controvérsia sobre Theotókos emergiu de maneira mais intensa no século V d.C., com a oposição entre Cirilo de Alexandria e Nestório, Patriarca de Constantinopla.
Nestório rejeitava o título Theotókos, argumentando que Maria deveria ser chamada apenas de "Christotókos" (Portadora de Cristo). Segundo ele, atribuir a Maria o título de Mãe de Deus implicaria afirmar que Deus, na sua essência divina, poderia ser gerado, o que considerava teologicamente impossível. Para ele, a natureza divina de Cristo não poderia ser associada a um nascimento humano.
Cirilo de Alexandria, por outro lado, defendia que negar Theotókos era um ataque direto à unidade da pessoa de Cristo. Ele argumentava que Cristo, desde sua concepção, era plenamente Deus e plenamente homem. Assim, ao negar Theotókos, Nestório estava dividindo Cristo em duas pessoas distintas, em vez de reconhecer que a encarnação envolvia uma única pessoa com duas naturezas inseparáveis.
O Concílio de Éfeso (431 d.C.), presidido por Cirilo, condenou Nestório e sua posição (cristotokos) afirmando que Maria era verdadeiramente Theotókos, pois deu à luz a Cristo, que é Deus e homem em uma só pessoa. Esse concílio foi decisivo para a consolidação da doutrina da união hipostática, a qual seria posteriormente refinada no Concílio da Calcedônia (451 d.C.).
O resultado? Nestório foi deposto, e o entendimento de que Cristo é uma única pessoa com duas naturezas se consolidou como ortodoxia, expresso mais tarde no Concílio de Calcedônia (451 d.C.).
Theotókos x Christotókos: O que está em jogo?
Por trás dessa disputa, que aparenta ser meramente linguística (terminológica) e, a um olhar superficial sem qualquer implicação a nossa expressão de fé em Cristo Jesus, havia implicações profundas. Vamos desembrulhar isso com calma:
A Unidade de Cristo: O título Theotókos reforça que o filho nascido de Maria é uma única pessoa, com duas naturezas (divina e humana) inseparáveis. Já Christotókos, na visão de Nestório, poderia sugerir que Maria deu à luz apenas a parte humana de Jesus, comprometendo a doutrina da encarnação — o milagre de Deus se fazendo homem.
A Salvação: Se Cristo não fosse plenamente Deus e plenamente homem em uma só pessoa, como poderia Ele mediar entre Deus e a humanidade? Para os defensores de Theotókos, a união das naturezas foi essencial para que o sacrifício de Cristo na cruz tivesse valor eterno.
O Papel de Maria: Embora o debate não fosse primariamente sobre Mariologia, o título Theotókos elevou a percepção de Maria na tradição cristã, algo que mais tarde geraria desconforto em círculos protestantes, como veremos (apontado por gênese/origem da mariolatria – culto a Maria – na tradição da igreja católica apostólica romana, a partir da péssima compreensão exegética do milagre Deus-Homem em sua união hipostática).
Outras Posições sobre "Theotókos" na História da Igreja
Após o Concílio de Éfeso, diferentes tradições cristãs desenvolveram perspectivas distintas sobre o título mariano:
Igreja Ortodoxa Oriental – Mantém o título de Theotókos como um elemento central da doutrina cristológica, enfatizando que Maria participou do mistério da encarnação.
Igreja Católica Romana – Além de afirmar Theotókos, desenvolveu doutrinas adicionais sobre Maria, como a Imaculada Conceição e a Assunção, que não foram abordadas pelos concílios antigos.
Igrejas Protestantes Reformadas – Rejeitam a veneração mariana, mas algumas reconhecem Theotókos apenas em sentido cristológico, sem implicações devocionais.
Cristianismo Pentecostal e Evangélico – Embora respeite Maria como "bendita entre as mulheres" (Lucas 1:42), não enfatiza Theotókos, pois compreende que a teologia bíblica não apoia a exaltação mariana como figura central da fé cristã.
Uma Leitura Bíblica Cautelosa (visão protestante pentecostal)
Os reformados-pentecostais, tais quais nós, assembleianos, como herdeiros da Reforma, tendemos a abordar o título Theotókos com um pé atrás, explico: Para nós, a Bíblia é a única regra infalível de fé e prática (sola Scriptura), e termos como "Mãe de Deus" não aparecem explicitamente nas Escrituras. Embora reconheçamos a encarnação — "o Verbo se fez carne" (Jo.1.14) —, hesitamos em adotar Theotókos devido ao risco de exaltação indevida de Maria, algo que vemos como um desvio posterior a afirmação do dogma Theotókos no decorrer do desenvolvimento da tradição católica apostólica romana.
Por outro lado, Christotókos poderia soar mais confortável à primeira vista, já que destaca a humanidade de Cristo. Mas aqui entra a crítica: se essa ênfase compromete a unidade das naturezas de Cristo, ela também é problemática. Para os reformados-pentecostais, Cristo é o Deus-Homem (duas naturezas, divina e humana em Cristo – união hipostática – 100% deus e ao mesmo tempo 100% homem), plenamente divino e plenamente humano, e qualquer linguagem que fragmente essa realidade ameaça a integridade do evangelho em seu aspecto da obra redentora de Cristo.
Consequências de uma Má Compreensão
Uma interpretação equivocada de Theotókos ou Christotókos pode gerar sérias implicações teológicas e práticas:
Divisão de Cristo: Se alguém adota uma visão nestoriana (mesmo sem saber) e sua posição Christotókos, enxergando as naturezas de Cristo como separadas, compromete a compreensão da união hipostática, a encarnação perde força. Como um Cristo “dividido” poderia ser o Salvador? Para nós, reformados-pentecostais, tal compreensão mina confiança na obra redentora de Jesus, que depende de Ele ser o perfeito mediador (1Tm.2.5).
Desvio Mariológico: Abraçar a afirmação Theotókos sem cautela pode abrir portas para uma veneração de Maria que os reformados-pentecostais rejeitam como antibíblica. Resta evidente nas escrituras que passagens como Lucas 1:47 (“o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”) mostram Maria como uma serva também irrefutavelmente necessitada de salvação, e não como uma figura divina ou mediadora.
Enfraquecimento da Fé: Se a unidade de Cristo é mal compreendida, a pregação do evangelho — tão central no pentecostalismo — perde seu impacto. Como proclamar um Salvador que não é plenamente Deus encarnado? Isso poderia esfriar o fervor missionário e a experiência do Espírito, que depende da certeza de quem é Cristo.
Uma Solução Balanceada – A Posição Protestante Pentecostal Assembleiana
Para nós reformados pentecostais, o caminho é evitar tanto o excesso mariológico de Theotókos quanto uma potencial fragmentação de Christotókos. Focamos em especificações bíblicas como "Filho de Deus" e "Filho do Homem", que capturam a dualidade das naturezas sem desviar a atenção para Maria ou comprometer a unidade de Cristo. A ênfase está em adorar a Cristo como Senhor, guiados pelo Espírito e ancorados na Palavra que nos mostra Cristo, simultaneamente 100% Deus e 100% homem.
A Igreja Assembleia de Deus, como principal denominação pentecostal, mantém uma perspectiva bíblica e cristocêntrica sobre Maria, respeitando seu papel na história da redenção, mas rejeitando qualquer forma de culto ou devoção especial a ela.
Cristologia e Theotókos: As Assembleias de Deus reconhecem que Cristo é plenamente Deus e plenamente homem, em conformidade com os concílios da Igreja primitiva. No entanto, não fazem do título Theotókos uma questão central, POIS ENTENDEM QUE A ESCRITURA NÃO CONFERE A MARIA UM PAPEL ALÉM DAQUELE DE SER A MÃE TERRENA DE JESUS (plenamente Deus e plenamente homem).
Rejeição de Dogmas Mariológicos Posteriores: Como a doutrina assembleiana é fundamentada exclusivamente na Bíblia, rejeita a Imaculada Conceição, a Assunção de Maria e sua intercessão pelos fiéis, pois não há base escriturística para tais crenças.
CRISTOCENTRISMO: Para nós, pentecostais assembleianos, qualquer doutrina que desvie o foco da centralidade de Cristo e da ação do Espírito Santo na Igreja não deve ser enfatizada. Assim, Maria é vista como um exemplo de fé, mas não como mediadora ou intercessora.
Portanto, embora reconheça a importância do título Theotókos na história da cristologia, a tradição assembleiana não o adota como parte essencial de sua teologia, preferindo manter um foco exclusivo na obra redentora de Cristo.
Lições para Hoje
O debate entre Theotókos e Christotókos não é apenas uma relíquia histórica — ele nos desafia a pensar com clareza sobre quem é Jesus. Para o estudante de teologia, especialmente na tradição reformada-pentecostal, essa controvérsia é um lembrete de que a doutrina é importante. Uma maior compreensão pode distorcer nossa visão de Cristo, da salvação e até da vida cristã prática.
Então, na próxima vez que você ouvir "Mãe de Deus" em um hino ou discussão, pare e reflita: o que isso diz sobre Jesus? Para os reformados-pentecostais, a resposta deve sempre voltar às Escrituras, à glória de Cristo e ao poder do Espírito. Afinal, como disse o apóstolo Paulo, "nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Cl.2.9). Essa é a verdade que nos une — e nos mantém firmes
Sintetizando o conhecimento
O título Theotókos foi um marco importante na história da Igreja, pois ajudou a preservar a unidade da pessoa de Cristo contra o nestorianismo. No entanto, seu significado teológico e sua aplicação variam conforme a tradição cristã.
A tradição pentecostal assembleiana, ancorada na primazia da Escritura, respeita a importância histórica da questão, mas rejeita desenvolvimentos teológicos posteriores que atribuem a Maria um papel que ultrapassa sua função bíblica. DESSA FORMA, REAFIRMA A CENTRALIDADE EXCLUSIVA DE CRISTO COMO O ÚNICO MEDIADOR ENTRE DEUS E OS HOMENS (1Tm.2.5), mantendo um compromisso com uma cristologia puramente bíblica e cristocêntrica
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